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PREVENÇÃO & LONGEVIDADE

Trabalho noturno: conheça os riscos para a saúde do coração

A inversão do sono desregula o corpo e provoca alterações metabólicas que aumentam o risco de doenças cardiovasculares

Dra. Juliana Soares

Dra. Juliana Soares

5min • 28 de nov. de 2025

Mulher trabalhando à noite em um galpão, usando colete de segurança laranja e digitando no computador em um ambiente de estoque comum em trabalho noturno

Com o horário invertido, a liberação de enzimas digestivas, da insulina e dos hormônios ligados à saciedade também se altera, aumentando o risco de resistência à insulina e ganho de peso | Foto: Freepik

No Brasil, dados do IBGE apontam que aproximadamente 7 milhões de pessoas atuam em jornada noturna — principalmente em áreas como saúde, segurança pública, transporte e logística.

Com um ritmo de trabalho que atropela o relógio biológico, eles estão mais expostos ao desbalanço hormonal, alterações metabólicas, piora da qualidade do sono e a um risco maior de desenvolver doenças cardiovasculares ao longo dos anos.

Conversamos com a cardiologista Juliana Soares para entender por que o trabalho noturno impacta tanto a saúde do coração e quais estratégias podem ajudar a reduzir os riscos. Confira!

Como o relógio biológico funciona?

O relógio biológico é o sistema interno que organiza os horários do corpo humano. Ele sincroniza as funções fisiológicas com o ciclo de luz e escuro do ambiente, o que é chamado de ciclo circadiano.

Durante o dia, a luz solar estimula o cérebro a produzir hormônios ligados ao estado de alerta, como cortisol. A temperatura corporal sobe, o metabolismo acelera e o cérebro entra em modo de vigília. Já durante a noite, quando escurece, o corpo entende que é hora de descansar: a melatonina aumenta, o metabolismo desacelera e a pressão tende a cair.

Basicamente, dormir à noite e estar acordado de dia não é apenas um hábito social, mas é um padrão fisiológico do ser humano.

De acordo com Juliana, quando a sincronia entre o relógio biológico e o relógio cronológico é perdida, o organismo passa por uma série de alterações metabólicas. O cortisol e a adrenalina deixam de seguir o ciclo natural e o corpo permanece em estado de alerta constante, enquanto a melatonina se desregula — comprometendo a qualidade do sono, os processos de regeneração celular e a imunidade.

Com o horário invertido, a liberação de enzimas digestivas, da insulina e dos hormônios ligados à saciedade também se altera, aumentando o risco de resistência à insulina e ganho de peso. Como o sono é o momento de reparo celular, a privação e a má qualidade do sono reduzem esse reparo e promovem inflamação crônica no organismo.

Impacto do trabalho noturno na saúde do coração

A inversão do padrão de sono e de vigília, assim como a alteração dos horários habituais, desregula o corpo e provoca uma série de mudanças metabólicas que aumentam o risco de doenças cardiovasculares.

Uma revisão mais recente, publicada na revista Environmental Research em 2025, encontrou associação entre trabalho em turnos noturnos e maior risco de mortalidade cardiovascular ao longo do tempo. Os pesquisadores apontaram aumento de inflamação, pior perfil de colesterol e alterações autonômicas em quem trabalha à noite — todos marcadores claros de risco cardiovascular.

E os riscos crescem conforme se acumulam anos de trabalho noturno. Um estudo publicado no European Heart Journal mostrou que longos períodos de trabalho em turnos noturnos se associam a maior risco de fibrilação atrial e doença arterial coronariana, com tendência proporcional ao número de anos e intensidade da exposição.

Juliana explica que quando há privação de sono e desbalanço do ciclo circadiano, o sistema nervoso simpático permanece ativado de forma contínua, aumentando a contratilidade e o tônus das artérias, o que eleva a pressão arterial. O sono irregular também prejudica o metabolismo e favorece a piora do perfil lipídico, com aumento do colesterol ruim (LDL) e redução do colesterol bom (HDL), contribuindo para o acúmulo de gordura abdominal.

Para completar, trabalhar em horários invertidos muitas vezes reduz a regularidade da prática de atividade física, que é uma das principais medidas para manter o sistema cardiovascular saudável, controlar o peso, melhorar a sensibilidade à insulina e reduzir a inflamação.

A alimentação na madrugada interfere na saúde cardiovascular?

No período noturno, o metabolismo funciona de forma mais lenta, pois o organismo está fisiologicamente programado para descansar. Por esse motivo, Juliana aponta que consumir alimentos muito calóricos e pesados no horário pode ser prejudicial, já que o corpo passa a ter maior dificuldade para metabolizar gordura e carboidrato de forma eficiente.

Consequentemente, há maior tendência de acúmulo de gordura corporal e pior metabolização dos nutrientes, o que impacta diretamente os níveis de colesterol e glicemia, favorecendo o ganho de peso e o desenvolvimento de alterações metabólicas, como diabetes tipo 2.

Por isso, durante a noite ou na madrugada, uma medida necessária é evitar refeições muito pesadas e priorizar opções mais leves e equilibradas, que causem menor sobrecarga ao sistema digestivo e ao sistema cardiovascular.

Quem trabalha à noite pode compensar o sono durante o dia?

A compensação completa do sono perdido durante a noite é mais difícil, porque o ciclo circadiano regula o funcionamento dos hormônios, da temperatura corporal e do metabolismo — e as funções se organizam em torno do repouso noturno.

Logo, mesmo que a pessoa durma a mesma quantidade de horas durante o dia, a qualidade tende a ser menor, com sono mais fragmentado e menos profundo.

Para ter algum grau de compensação, é importante garantir a melhor qualidade possível do sono, a partir de medidas como:

  • Higiene do sono: manter hábitos regulares de descanso, evitando telas antes de dormir e criando uma rotina fixa de horários;
  • Dormir em um quarto escuro e silencioso durante o dia: cortinas blackout, tampões auriculares, máscara para os olhos e redução máxima de ruídos externos ajudam a melhorar a profundidade do sono;
  • Evitar exposição solar logo após acordar: a luz natural sinaliza para o organismo que o dia começou, o que pode dificultar o ajuste do ciclo circadiano e piorar a sonolência;
  • Tentar dormir um pouco antes de iniciar o trabalho noturno: um cochilo de preparação aumenta a reserva de energia e reduz o prejuízo metabólico durante as horas em que o corpo deveria estar naturalmente dormindo;
  • Tirar cochilos curtos durante o turno: curtos períodos de descanso (20 a 30 minutos) já são capazes de melhorar o alerta, reduzir lapsos de atenção e diminuir a pressão fisiológica do turno invertido.

Quando for dormir, o ideal é que o sono seja ininterrupto, mesmo que dure menos tempo. Mesmo que a recuperação não seja plena, os cuidados já contribuem para preservar o funcionamento do organismo e reduzir o impacto do trabalho noturno sobre a saúde.

Sinais da falta de sono para a saúde

A privação de sono ou sono irregular pode manifestar uma série de sintomas, que Juliana aponta:

  • Cansaço constante;
  • Sonolência excessiva durante o dia;
  • Irritabilidade e piora do humor;
  • Ansiedade e sintomas depressivos;
  • Dificuldade de concentração e perda de memória;
  • Aumento da pressão arterial;
  • Ganho de peso ou dificuldade para emagrecer;
  • Queda da imunidade.

Os sinais podem aparecer de maneira lenta e progressiva, mas devem ser levados em consideração, porque indicam que o organismo está entrando em desequilíbrio.

Não posso mudar o horário de trabalho, o que fazer?

Quando não é possível trocar o turno de trabalho, o ideal é reduzir danos, adotando uma rotina de cuidados que ajude a proteger o organismo dos efeitos do sono irregular e da vigília prolongada. Entre eles, é possível destacar:

  • Priorizar a melhor qualidade de sono possível, mesmo durante o dia;
  • Manter alimentação equilibrada e evitar refeições muito pesadas na madrugada;
  • Fazer atividade física regularmente (em qualquer horário que seja possível);
  • Controlar o estresse, evitando café em excesso e estimulantes no fim do turno;
  • Limitar o consumo de álcool e ultraprocessados;
  • Manter acompanhamento médico regular, com controle de pressão, colesterol e glicemia.

As medidas ajudam a proteger o sistema cardiovascular e reduzem parte do impacto que o trabalho noturno provoca no organismo.

Confira: Dormir mal prejudica a saúde do coração? Conheça os riscos

Perguntas frequentes

O que é um sono irregular?

O sono irregular consiste em dormir em horários que variam muito ao longo da semana, mudar bruscamente o momento em que se dorme e se acorda, alternar noite e dia sem padrão, ou quebrar o sono em vários períodos curtos.

Quando isso acontece, o corpo não consegue programar os processos fisiológicos de forma estável. O relógio biológico não tem previsibilidade e começa a falhar em funções básicas como regular hormônios, temperatura corporal, apetite, humor e pressão arterial. Com o tempo, a falta de constância desequilibra o metabolismo e pode aumentar o risco de problemas cardiovasculares.

Por que dormir mal interfere no humor e na saúde mental?

O sono profundo regula neurotransmissores importantes, como serotonina, dopamina e noradrenalina, todos envolvidos no humor e bem-estar emocional. Quando o sono é fragmentado ou insuficiente, acontece um desequilíbrio químico que pode levar a irritabilidade, ansiedade, impulsividade e sintomas depressivos.

Ah, e o cérebro tem mais dificuldade para processar emoções, filtrar estímulos e interpretar situações sociais com clareza. Assim, quem dorme mal tem maior chance de reagir de forma exagerada a situações simples ou de sentir piora de sintomas psicológicos já existentes.

Por que telas atrapalham o sono?

A luz azul emitida por celulares, tablets e computadores inibe a produção de melatonina, o hormônio que sinaliza ao corpo que está na hora de dormir. O conteúdo consumido nas telas também costuma ser estimulante, deixando o cérebro em alerta e prolongando o estado de vigília. Por isso, o recomendado é evitar telas pelo menos uma hora antes de deitar.

É normal acordar várias vezes durante a noite?

Acordar várias vezes durante a noite pode acontecer de vez em quando, mas quando isso vira rotina, pode indicar um problema chamado insônia de manutenção.

Isso pode acontecer devido a fatores emocionais, como estresse e ansiedade, a hábitos inadequados de sono e a condições físicas, como refluxo ou apneia do sono, além de ambientes pouco favoráveis ao descanso. Como os despertares fragmentam os ciclos de sono e prejudicam o descanso profundo, podem afetar diretamente a disposição, o humor e a saúde ao longo do dia.

Por isso, se o problema é constante e está impactando a qualidade de vida, procure atendimento médico para identificar a causa e definir o tratamento mais adequado.

Tomar melatonina é seguro?

A melatonina pode ser útil em situações específicas, como jet lag, adaptação temporária de horários ou alguns distúrbios de ritmo circadiano. Porém, ela não deve ser usada sem orientação médica, já que as doses encontradas em suplementos variam muito e, em alguns casos, são mais altas do que o necessário. Isso pode causar sonolência residual no dia seguinte, alterações de humor e piora do ciclo sono–vigília a longo prazo.

Veja mais: Sono leve ou agitado? Veja 7 hábitos noturnos que podem ser os culpados

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Escrito por Dra. Juliana Soares

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