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Câncer ocupacional: o que é e quais as profissões de risco?
Determinadas profissões apresentam exposição muito acima do aceitável a compostos tóxicos, metais pesados, radiação e outros agentes nocivos

Dr. Thiago Chadid
5min • 20 de out. de 2025

Determinadas profissões aumentam o risco de desenvolver diferentes tipos de câncer
Todos os dias, ambientes com poeira, fumaça, radiação, solventes e agrotóxicos expõem milhões de pessoas a agentes cancerígenos — muitas vezes sem que elas saibam. E o risco não está apenas em fábricas ou hospitais, mas em locais comuns como oficinas, salões de beleza, fazendas e até escritórios.
O câncer ocupacional é aquele causado direta ou indiretamente pela exposição a substâncias, partículas ou radiações presentes no ambiente de trabalho. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), pelo menos 19 tipos de tumor estão associados ao trabalho — entre eles os de pulmão, pele, fígado, bexiga, mama e leucemias.
Mas afinal, como reduzir o risco? Conversamos com o oncologista Thiago Chadid e apontamos as profissões de maior risco para câncer e as medidas de proteção.
O que é o câncer ocupacional?
O câncer ocupacional ocorre quando o corpo é exposto repetidamente a agentes cancerígenos (químicos, físicos ou biológicos) presentes no ambiente de trabalho. As substâncias podem entrar no organismo pela inalação, ingestão ou contato com a pele, e ao longo do tempo provocam mutações nas células, levando ao desenvolvimento de tumores.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), não existe nível seguro de exposição a agentes cancerígenos. Mesmo pequenas doses, acumuladas durante anos, podem ser suficientes para causar danos. O problema é que o efeito costuma ser silencioso: muitas vezes, o câncer só aparece 10 a 20 anos depois da exposição.
Quais agentes podem causar câncer no trabalho?
Segundo a OMS e o INCA, os principais grupos de agentes relacionados ao câncer ocupacional incluem:
- Metais pesados: chumbo, cádmio, arsênico, níquel, mercúrio;
- Amianto (asbesto): usado em telhas, caixas d’água e isolantes térmicos, associado ao mesotelioma e ao câncer de pulmão;
- Agrotóxicos e pesticidas: amplamente utilizados na agricultura;
- Solventes e derivados do petróleo: como benzeno, tolueno e formaldeído;
- Radiações: ionizante (raios X, gama) e não ionizante (UV solar);
- Poeiras minerais: sílica e carvão;
- Hidrocarbonetos policíclicos aromáticos: presentes na fumaça de combustão e no asfalto.
Câncer ocupacional: quais profissões apresentam maior risco?
Construção civil
Pedreiros, carpinteiros, soldadores e pintores enfrentam grande vulnerabilidade devido ao contato com sílica, cimento, poeira de amianto (asbesto) e solventes químicos. Inclusive, antigamente, o amianto era amplamente utilizado em construções, mas foi proibido no Brasil desde 2017 por ser altamente tóxico.
De acordo com o oncologista Thiago Chadid, quando inalado, o amianto se deposita nos pulmões e pode causar mesotelioma, um câncer agressivo da pleura, além de tumores pulmonares.
Na construção civil, além do amianto, há poeiras com sílica e outros componentes presentes no cimento. É um ambiente muito carregado de partículas, e por isso essa é uma das principais áreas de risco, complementa Thiago.
Indústria química e petroquímica
Os profissionais de refinarias e indústrias de tinta, borracha e plásticos estão frequentemente expostos a benzeno, tolueno e formaldeído. Os compostos elevam o risco de leucemia, linfoma não Hodgkin e câncer de bexiga. O benzeno, em especial, é um dos carcinogênicos mais conhecidos, capaz de afetar a medula óssea e provocar cânceres hematológicos.
Agricultura e pecuária
O uso de agrotóxicos e pesticidas representa uma das maiores ameaças à saúde no ambiente rural. Muitos dos produtos contêm compostos orgânicos persistentes, como o DDT, que permanecem por longos períodos no organismo e se acumulam nos tecidos.
A exposição contínua pode causar alterações genéticas e favorecer o desenvolvimento de câncer de pulmão, fígado, intestino e do sistema linfático.
Ah, e a contaminação não ocorre apenas por contato direto! Ela pode acontecer pela inalação de partículas suspensas no ar, pela absorção através da pele durante a manipulação dos produtos, ou ainda pela ingestão de água e alimentos contaminados.
Trabalhadores rurais, aplicadores de pesticidas e até populações vizinhas a áreas agrícolas estão entre os grupos mais vulneráveis, especialmente quando há falhas no uso de equipamentos de proteção e na fiscalização ambiental.
Profissionais da saúde e de laboratório
Profissionais como enfermeiros, farmacêuticos, patologistas e técnicos de laboratório lidam com formol e medicamentos quimioterápicos (antineoplásicos), substâncias reconhecidas como carcinogênicas. A exposição constante pode levar ao surgimento de câncer de bexiga, leucemia e linfoma — especialmente em locais sem ventilação adequada ou sem uso de equipamentos de proteção individual (EPIs).
Setor de transporte
A fumaça do diesel, que contém hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, partículas metálicas e óxidos tóxicos, coloca os motoristas de caminhão, ônibus e ambulâncias como um dos grupos de risco para o desenvolvimento de tumores malignos.
De acordo com o INCA, a inalação crônica dos gases emitidos pelos motores a diesel aumenta o risco de câncer de pulmão, leucemia e doenças cardiovasculares
Aviação
Na aviação, pilotos e comissários de bordo enfrentam maior risco de câncer devido à exposição contínua à radiação cósmica, que é mais intensa em grandes altitudes por causa da menor filtragem solar, conforme explica Thiago Chadid. A radiação penetra a cabine das aeronaves e, com o tempo, pode provocar danos celulares.
Estudos científicos apontam maior incidência de câncer de pele, tanto melanoma quanto não melanoma, e de câncer de mama entre tripulantes, além de possíveis impactos no sistema imunológico e reprodutivo. Outros cânceres, como o gastrointestinal, também são associados a essa profissão.
Beleza e estética
De acordo com o INCA, cabeleireiros, manicures e profissionais de estética lidam diariamente com tintas, alisantes, solventes, formol e aminas aromáticas, produtos ricos em compostos químicos potencialmente cancerígenos. A manipulação frequente dessas substâncias, muitas vezes em ambientes pouco ventilados, eleva o risco de câncer de bexiga, linfoma e tumores mamários.
Além da exposição respiratória, o contato direto com a pele e o couro cabeludo pode facilitar a absorção de agentes tóxicos. Por isso, durante os procedimentos, é fundamental o uso de luvas, máscaras e ventilação adequada, para evitar o impacto acumulativo ao longo dos anos.
Profissionais expostos ao sol
A exposição prolongada à radiação ultravioleta (UV), principalmente sem o uso de protetor solar, chapéus ou roupas de mangas compridas, aumenta significativamente a probabilidade de alterações celulares na pele.
Assim, trabalhadores rurais, carteiros, pescadores, guardas de trânsito e salva-vidas compõem um grupo de risco elevado para câncer de pele, o tipo de tumor mais comum no Brasil e no mundo.
Operadores de pavimentadora
Os trabalhadores que lidam com asfalto também estão expostos a produtos petroquímicos tóxicos, o que eleva o risco de câncer de bexiga e outros tumores, explica Thiago. Durante o aquecimento e manuseio do material, o asfalto libera compostos voláteis como benzeno e formaldeído, substâncias reconhecidamente cancerígenas.
Os vapores são absorvidos principalmente por inalação, mas também podem entrar no organismo por meio da deglutição de partículas contaminadas. No corpo, sofrem metabolização e geram subprodutos irritantes que são eliminados pela urina, o que explica a associação direta com tumores do trato urinário.
Quais tipos de câncer estão ligados ao trabalho?
De acordo com a Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho e ao Ambiente, do INCA, pelo menos 19 tipos de câncer possuem ligação comprovada com a ocupação profissional:
Tipo de câncer | Agentes relacionados | Profissões de risco |
---|---|---|
Pulmão | Amianto, sílica, benzeno, diesel | Pedreiros, soldadores, motoristas |
Pele | Radiação solar, óleos minerais, arsênico | Trabalhadores rurais, carteiros, salva-vidas |
Fígado | Cloreto de vinila, agrotóxicos | Mecânicos, trabalhadores rurais |
Bexiga | Aminas aromáticas, solventes, formaldeído | Cabeleireiros, pintores, tecelões |
Mama | Trabalho noturno, agrotóxicos, radiação cósmica | Enfermeiros, comissários de bordo |
Leucemia | Benzeno, solventes, radiação | Profissionais da indústria química, laboratoristas |
Linfoma | Agrotóxicos, solventes orgânicos | Agricultores, motoristas |
Laringe | Poeira de madeira, formaldeído | Carpinteiros, mecânicos |
Mesotelioma | Amianto | Trabalhadores de construção e indústria nadal |
Como identificar o câncer ocupacional?
A identificação do câncer ocupacional exige uma avaliação médica completa, que inclui histórico clínico e ocupacional detalhado, análise das possíveis exposições a agentes cancerígenos, exame físico e testes complementares, como exames de imagem e laboratoriais.
O médico deve investigar a trajetória profissional do paciente (como função exercida, tempo de exposição e produtos manuseados) para estabelecer a relação entre o trabalho e o tipo de tumor. Em alguns casos, o processo também envolve estudo das condições do local de trabalho para confirmar a origem do contato com substâncias nocivas.
O médico também pode realizar exames físicos e solicitar testes, como exames de sangue para verificar alterações em células de defesa e exames de imagem (radiografia, tomografia, ressonância magnética) para identificar tumores.
Leia mais: Recidiva do câncer: por que ele pode voltar após o tratamento?
Como prevenir o câncer ocupacional?
Quanto às medidas de prevenção, deve-se avaliar o risco ocupacional de cada ambiente de trabalho e adotar equipamentos de proteção compatíveis com a exposição, de acordo com Thiago. O ideal seria eliminar substâncias perigosas dos processos produtivos, substituindo-as por alternativas menos tóxicas.
Como isso nem sempre é viável, é fundamental adotar alguns cuidados no dia a dia, como:
- Usar sempre os equipamentos de proteção individual (EPIs) indicados para cada função, como máscaras, luvas, óculos e vestimentas adequadas;
- Garantir ventilação adequada nos ambientes de trabalho fechados, especialmente onde há manipulação de produtos químicos;
- Aplicar protetor solar e reforçar a hidratação em atividades ao ar livre;
- Evitar a exposição prolongada: quando a substituição não é viável, é necessário limitar o tempo de contato, melhorar a ventilação dos ambientes, monitorar a qualidade do ar e utilizar EPIs adequados, como máscaras, luvas e aventais;
- Participar de treinamentos de segurança e campanhas de conscientização oferecidas pelas empresas;
- Realizar exames médicos periódicos para detectar precocemente alterações respiratórias, dermatológicas ou neurológicas.
Sobre o tabagismo passivo, Thiago explica que as leis antifumo reduziram de forma significativa a exposição em locais fechados, o que diminuiu o número de casos de câncer relacionados à fumaça de cigarro.
Antes, era comum fumar em restaurantes, escritórios e até aviões. Hoje, o hábito é restrito a áreas específicas, representando um grande avanço na prevenção de doenças ocupacionais e na proteção coletiva da saúde.
Confira: Exames de rotina para prevenir câncer: conheça os principais
Perguntas frequentes sobre câncer ocupacional
1. O câncer ocupacional tem sintomas diferentes dos outros tipos?
Os sintomas são semelhantes aos de qualquer outro câncer, mas podem aparecer de forma mais lenta. O que muda é o fator de origem, ligado à atividade profissional.
Sintomas como tosse crônica, falta de ar, manchas ou feridas na pele, perda de peso, fadiga e sangramentos anormais exigem atenção médica, especialmente em quem atua em ambientes com exposição química ou física constante.
2. Por que é tão difícil reconhecer o câncer como ocupacional?
Porque os sintomas podem aparecer muitos anos depois da exposição. Além disso, a maioria dos pacientes não informa sua ocupação durante o atendimento, e muitos médicos não fazem essa pergunta. Sem o histórico profissional, o câncer acaba sendo classificado apenas como “espontâneo” e não relacionado ao trabalho.
3. O câncer ocupacional é reconhecido pela Previdência Social?
Sim, o câncer pode ser classificado como doença ocupacional quando comprovada a relação entre o tumor e a exposição a agentes carcinogênicos no trabalho. Nesses casos, o trabalhador tem direito a benefícios previdenciários, como auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.
4. O câncer ocupacional é contagioso?
Não, o câncer ocupacional, assim como os demais tipos, não é transmissível. Ele ocorre por alterações genéticas nas células causadas por substâncias químicas, físicas ou biológicas às quais o indivíduo foi exposto no ambiente de trabalho.
5. É possível se curar do câncer ocupacional?
Sim, especialmente quando o diagnóstico é precoce. As opções de tratamento são as mesmas utilizadas para outros tipos de câncer — cirurgia, quimioterapia, radioterapia e imunoterapia. A diferença está na necessidade de afastamento do ambiente contaminado e na vigilância contínua para evitar nova exposição.
6. Existe risco de câncer ocupacional em quem trabalha em escritório?
Mesmo quem trabalha em escritório pode estar exposto a fatores de risco indiretos, como radiação de equipamentos eletrônicos antigos, limpeza com produtos tóxicos, ventilação inadequada e tabagismo passivo em locais sem fiscalização. Apesar do risco ser menor, ambientes fechados e mal ventilados favorecem o acúmulo de substâncias químicas no ar.
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