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DOENÇAS & CONDIÇÕES

Qual o papel do nutricionista no tratamento de transtornos alimentares? 

Sem o acompanhamento adequado, os transtornos alimentares colocam em risco a saúde do corpo e também o bem-estar emocional

Fernanda Pacheco

Fernanda Pacheco

5min • 29 de set. de 2025

Qual o papel do nutricionista no tratamento de transtornos alimentares? 

Os transtornos alimentares são condições psiquiátricas sérias que afetam não apenas a saúde física, mas a vida emocional e social de quem convive com elas. Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, a estimativa é que mais de 70 milhões de pessoas no mundo sejam afetadas por algum transtorno alimentar, incluindo anorexia, bulimia e compulsão alimentar.

Apesar das características próprias, eles compartilham um fator em comum: a relação distorcida com a comida e com o corpo, que pode causar muito sofrimento, insegurança e até isolamento social. Por isso, o acompanhamento profissional multidisciplinar é um dos primeiros passos para a recuperação do paciente.

Além do acompanhamento de psicólogos e psiquiatras, que garantem um suporte integral à saúde mental, o nutricionista é muito importante no processo, pois ajuda na reconstrução da relação com a alimentação e a trazer de volta o equilíbrio e o prazer de se alimentar bem.

Conversamos com a nutricionista Fernanda Pacheco, formada pela Universidade de São Paulo (USP), para esclarecer como funciona o acompanhamento nutricional, que estratégias são adotadas em cada situação e o impacto positivo na saúde e na qualidade de vida de quem convive com transtornos alimentares. Entenda mais, a seguir.

O que são transtornos alimentares?

Os transtornos alimentares são condições psiquiátricas caracterizadas por padrões alimentares disfuncionais, medo intenso de engordar e uma relação distorcida com o corpo. Eles podem levar a complicações graves, como desnutrição, problemas cardíacos, desequilíbrios hormonais e até risco de morte.

Entre os principais tipos, é possível apontar:

  • Anorexia nervosa: pode surgir como uma restrição intensa na alimentação, acompanhada de um medo persistente de ganhar peso e uma percepção distorcida da própria imagem corporal. Costuma aparecer principalmente na adolescência, entre os 12 e 17 anos, e afeta mais mulheres;
  • Bulimia nervosa: envolve ciclos de ingestão exagerada de alimentos, seguidos por comportamentos para tentar “compensar” o que foi comido, como provocar vômitos, usar laxantes ou praticar exercícios em excesso. É mais frequente no início da vida adulta e pode trazer sérias consequências físicas e emocionais;
  • Transtorno de compulsão alimentar periódica: nesse caso, a pessoa come grandes quantidades de comida em pouco tempo e sente culpa ou perda de controle. Diferente da bulimia, não costuma usar métodos compensatórios frequentemente;
  • Outros transtornos alimentares: às vezes, os sintomas não se encaixam exatamente em um diagnóstico “clássico”, mas ainda assim afetam de forma significativa a saúde e o bem-estar.

Papel do nutricionista no tratamento de transtornos alimentares

O acompanhamento com um nutricionista é um apoio muito valioso no processo de recuperação. Muito além de orientar uma dieta, Fernanda aponta que a função do profissional é ajudar o paciente a reconstruir uma relação equilibrada e saudável com a comida, de forma individualizada e respeitosa. Isso envolve especialmente:

  • Avaliar riscos clínicos (pressão arterial, deficiências nutricionais, perda de massa muscular);
  • Regularizar o padrão alimentar, reduzindo jejuns, compulsões ou episódios vômitos;
  • Mostrar a importância de todos os grupos alimentares, combatendo crenças equivocadas;
  • Reintroduzir o prazer e a naturalidade no ato de comer.

“O nutricionista traz o olhar específico sobre a saúde física e nutricional, mas sempre considerando os impactos emocionais e comportamentais que a alimentação tem na vida do paciente. Dessa forma, o cuidado é integral e aumenta as chances de recuperação”, explica a nutricionista.

Como funciona a primeira avaliação nutricional?

O primeiro encontro com o nutricionista é importante para entender o histórico e os desafios da pessoa. De acordo com Fernanda, são investigados:

  • Relação com a alimentação ao longo da vida;
  • Possíveis gatilhos para o transtorno;
  • Presença de compulsões, vômitos, uso de laxantes ou exercícios excessivos;
  • Sintomas físicos como fraqueza, tontura, constipação ou frio constante;
  • Histórico de peso e hábitos de vida.

Em alguns casos, exames laboratoriais são solicitados para verificar deficiências de ferro, vitaminas e eletrólitos (como potássio e fósforo). Quando há baixo peso, também é avaliado o risco de síndrome da realimentação — uma complicação grave que pode ocorrer ao voltar a comer após períodos de restrição, segundo Fernanda.

Como o nutricionista atua em conjunto com outros profissionais?

O cuidado com os transtornos alimentares nunca acontece de forma isolada. Na verdade, ele envolve uma equipe de profissionais que, juntos, oferecem apoio integral à pessoa:

  • Médico: acompanha complicações físicas, solicita exames e avalia necessidade de internação ou medicação;
  • Psicólogo: trabalha emoções, autoestima e pensamentos rígidos sobre corpo e comida, usando terapias como a Cognitivo-Comportamental;
  • Nutricionista: foca na alimentação segura, progressiva e acolhedora;
  • Fisioterapeuta/educador físico: ajuda na prática de exercícios com foco em saúde, e não como punição;
  • Terapeuta ocupacional: contribui com organização de rotina e vivências corporais.

Com essa integração, o tratamento se torna mais completo e compassivo, oferecendo suporte tanto para a saúde do corpo quanto para o bem-estar emocional, de modo que a pessoa se sinta apoiada, compreendida e fortalecida em cada etapa da recuperação.

Estratégias nutricionais em cada tipo de transtorno alimentar

Não existe um protocolo único de tratamento. Cada transtorno exige cuidados específicos, respeitando as necessidades e fragilidades de cada pessoa. Contudo, é possível apontar algumas particularidades:

  • Anorexia nervosa: o foco está em reintroduzir a alimentação de forma lenta e segura, já que o corpo costuma estar fragilizado. O nutricionista elabora um plano estruturado de refeições e pode incluir preparações mais calóricas ou suplementos para auxiliar na recuperação do peso e da saúde;
  • Bulimia nervosa: o primeiro passo é estabilizar os horários e a qualidade das refeições, evitando longos períodos de jejum e restrições que favorecem as crises de compulsão. Também deve-se cuidar da hidratação e prevenir desequilíbrios nutricionais, como a perda de potássio causada pelos vômitos ou pelo uso de laxantes;
  • Compulsão alimentar: a prioridade é reduzir a restrição alimentar, já que muitos episódios de compulsão acontecem após tentativas de controle rígido. Criar uma rotina alimentar equilibrada e regular ajuda a diminuir a intensidade e a frequência das crises, trazendo mais estabilidade;
  • Outros transtornos: o nutricionista adapta o cuidado às necessidades específicas da pessoa, sempre com atenção, respeito e acolhimento.

“Em todas as consultas, trabalhamos a educação nutricional do paciente e aspectos comportamentais para melhorar a relação com a comida e reduzir ou eliminar crenças equivocadas a respeito do corpo e da alimentação”, explica Fernanda.

É possível recuperar uma relação saudável com a comida?

A resposta é sim, mas o processo de recuperação tende a ser gradual, com avanços e alguns desafios pelo caminho.

“O tratamento, quando bem conduzido, ajuda o paciente a reconectar-se com os sinais do próprio corpo, como fome e saciedade, permitindo que a alimentação volte a ser algo natural e não um motivo constante de preocupação”, conta Fernanda.

A nutricionista explica que, com o tempo, o medo de engordar pode ser trabalhado e a comida volta a ser encarada de forma leve, como fonte de energia, nutrição e prazer.

O processo também envolve aprender a se alimentar em diferentes situações sociais, sem culpa ou ansiedade, resgatando a liberdade e a convivência que o ato de comer proporciona.

“Muitas pessoas conseguem se recuperar plenamente e conquistar uma vida equilibrada, desde que contem com acompanhamento contínuo e apoio adequado”, complementa.

Quanto tempo leva para notar resultados no tratamento nutricional?

O tempo para notar resultados no tratamento dos transtornos alimentares varia bastante. Isso depende da gravidade do caso, do histórico de saúde e, principalmente, do quanto a pessoa consegue se engajar no processo de recuperação.

Ainda assim, Fernanda aponta que é possível notar algumas mudanças:

  • Primeiras semanas: já é possível perceber melhora da energia, sono e concentração;
  • Meses seguintes: estabilização do peso, melhora dos exames laboratoriais e redução de compulsões;
  • 5 a 6 meses: muitos pacientes apresentam progressos significativos na relação com a comida;
  • Anos seguintes: manutenção dos ganhos e prevenção de recaídas.

“É importante lembrar que o tratamento completo pode se estender por anos, já que envolve não apenas restaurar o corpo, mas também transformar padrões de pensamento e comportamento. Por isso, mesmo após a melhora dos sintomas, o acompanhamento intermitente é fundamental para prevenir recaídas e garantir que as conquistas se mantenham a longo prazo”, finaliza a nutricionista.

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Perguntas frequentes sobre transtornos alimentares

1. Quem é mais afetado por transtornos alimentares?

Qualquer pessoa pode desenvolver um transtorno alimentar, mas eles aparecem com mais frequência entre jovens e mulheres. A anorexia nervosa tem maior incidência entre adolescentes de 12 a 17 anos, enquanto a bulimia é mais comum no início da vida adulta. Homens também podem ser diagnosticados, especialmente em casos ligados a pressões estéticas e práticas esportivas de alto desempenho.

2. Quais os sintomas de transtorno alimentar?

Os sintomas variam de acordo com o tipo de transtorno, mas geralmente se manifestam em uma combinação de comportamentos, pensamentos e sentimentos relacionados à alimentação, peso e imagem corporal. Alguns incluem:

  • Perda ou ganho de peso repentino;
  • Preocupação excessiva com calorias, gorduras e porções;
  • Evitar refeições sociais;
  • Uso frequente de roupas largas para esconder o corpo;
  • Visitas frequentes ao banheiro logo após comer;
  • Mudanças de humor;
  • Isolamento;
  • Queda de rendimento escolar ou profissional.

Além dos sinais específicos, há sintomas emocionais e físicos comuns, como medo intenso de engordar, insatisfação constante com o corpo, baixa autoestima, ansiedade, fadiga, tontura, queda de cabelo, alterações menstruais e problemas gastrointestinais.

Em muitos casos, familiares e amigos percebem mudanças antes mesmo do próprio indivíduo reconhecer o problema.

3. Como a família pode ajudar no tratamento?

A família tem papel muito importante na recuperação: apoiar sem julgar, evitar comentários sobre peso ou corpo, e estar presente em consultas ou refeições quando necessário são cuidados que fazem grande diferença.

Muitas vezes, familiares também precisam de orientação, já que podem se sentir perdidos diante do comportamento da pessoa doente. O acompanhamento psicológico familiar ajuda a criar um ambiente de acolhimento, onde o paciente se sente seguro para avançar no tratamento.

4. O SUS oferece tratamento para transtornos alimentares?

Sim. O Sistema Único de Saúde (SUS) conta com Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e serviços de saúde mental que oferecem atendimento multiprofissional, incluindo acompanhamento médico, psicológico e nutricional.

Em casos graves, pode ser necessária a internação hospitalar, também disponível pela rede pública. O ideal é procurar a Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima para encaminhamento adequado.

5. Quem costuma perceber os primeiros sinais?

Na maioria das vezes, não é a própria pessoa que percebe a gravidade da situação. Familiares, amigos e colegas são os primeiros a notar mudanças de comportamento, como isolamento durante refeições, idas frequentes ao banheiro após comer, emagrecimento rápido ou compra exagerada de laxantes. Por isso, a atenção das pessoas próximas é fundamental para buscar ajuda o quanto antes.

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Escrito por Fernanda Pacheco

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