SAÚDE MENTAL & EMOCIONAL
‘Acordava com a sensação de que não conseguia respirar’: o relato de quem convive com ansiedade
Gabriel relata como a ansiedade afetou sua vida e conta estratégias para lidar com as crises

Dr. Luiz Dieckmann
5min • 6 de ago. de 2025

O executivo comercial Gabriel Fernandes tinha 32 anos quando, pela primeira vez, entendeu que seu problema não era apenas estresse ou nervosismo. Durante a recuperação da covid-19, começou a ter dificuldade para dormir, dificuldade que veio acompanhada de sintomas assustadores, como taquicardia, tremores e sensação de morte iminente. Era ansiedade.
“Percebi que estava tendo uma crise de ansiedade quando o problema começou a afetar drasticamente meu sono. Toda vez que eu pegava no sono, acordava com a sensação de que não conseguia respirar. Isso durou cerca de três noites seguidas, nas quais eu praticamente não dormia”, lembra.
Sem saber o que estava acontecendo, ele entrou em pânico. “Meus pensamentos aceleravam, sentia tremores, sudorese, taquicardia e, mesmo extremamente exausto, o sono simplesmente não vinha”.
Quando o corpo grita o que a mente já sente
A experiência mais marcante, no entanto, veio algum tempo depois, quando Gabriel se tornou pai. Seu filho nasceu com alguns problemas de saúde, e a ansiedade voltou com força total. Embora a falta de ar não se repetisse, a mente não dava trégua.
“Voltei a não conseguir dormir. Embora não tivesse mais a falta de ar como antes, ao deitar, minha mente disparava pensamentos negativos sobre o que poderia acontecer. Fiquei muitas noites sem dormir.”
Na tentativa de aliviar o sofrimento, ele recorreu ao uso diário de um medicamento, porém sem indicação médica, por cerca de um mês. “Esse remédio me fazia dormir porque eu literalmente ‘apagava’. Até que, um dia, tive uma crise psicótica — perdi completamente o senso de realidade e entrei em um estado de pânico profundo.”
Esse episódio se tornou um divisor de águas. “Foi nesse momento que decidi, definitivamente, buscar ajuda médica.”
Sintomas que se repetem
Hoje, depois de anos de terapia, Gabriel consegue perceber alguns sinais da ansiedade se aproximando. “Fica muito claro para mim quando uma crise está prestes a começar”, conta.
Entre os sintomas físicos, estão sudorese nas mãos, boca seca, dificuldade para dormir, náuseas e taquicardia. “Quando começo a pegar no sono, acordo subitamente — é uma sensação parecida com quando somos crianças e lutamos contra o sono. Em seguida, vêm os pensamentos acelerados, geralmente envolvendo medo de morrer ou de ter um ataque cardíaco.”
O que vem depois da crise de ansiedade
O fim da crise traz alívio, mas também um certo esgotamento. “É um misto de sensações. Primeiro vem o alívio por ter conseguido controlar a crise. Depois, surge um sentimento de fragilidade emocional. Fico mais triste, emotivo ou, em alguns casos, mais irritado e impaciente. Mas a constante é a sensação de insegurança”.
Para ele, situações ligadas à saúde, relacionamentos, trabalho e dinheiro são os maiores gatilhos. E sim, a ansiedade já o impediu de aproveitar momentos importantes.
“Já perdi momentos importantes com minha família, especialmente com minha esposa e meu filho. Também já precisei me ausentar do trabalho por conta de crises.”
Como Gabriel fez o tratamento
Gabriel fez tratamento com psiquiatra por cerca de dois anos. Hoje, usa medicamentos apenas em situações mais intensas, mas mantém a terapia semanal. “Faço terapia há quatro anos e não penso em parar”.
Ele também colocou novos hábitos na rotina, como exercícios físicos, leitura, técnicas de respiração (como a 4-7-8) e caminhadas. “Mudar o foco da crise me ajuda muito. Ler, caminhar ou conversar com alguém costuma aliviar os sintomas”.
O que ele gostaria que o mundo entendesse sobre ansiedade
Um dos maiores desafios, segundo Gabriel, é o julgamento. “Gostaria que as pessoas entendessem que a ansiedade pode afetar qualquer um. Não é frescura”.
A ansiedade, em níveis moderados, faz parte da vida, mas pode se tornar problemática quando paralisa ou provoca sofrimento intenso. “Em muitos casos, ela faz parte da nossa vida de forma natural, é uma emoção importante. Mas quando passa a gerar reações físicas intensas e crises de pânico, torna-se uma doença”.
Ao longo da vida, ouviu frases como “isso é coisa de gente fraca” ou “você pensa muito negativo”. Para ele, esses comentários vêm da ignorância. “Acho que esse tipo de julgamento acontece por falta de vivência ou conhecimento sobre o tema. Quando não passamos por algo ou não convivemos com alguém que passou, é fácil minimizar a dor do outro”.
O que fazer para tratar ansiedade
A ansiedade e as crises de ansiedade (ou ataques de pânico) podem ser tratadas com uma combinação de estratégias, que envolvem cuidados com o estilo de vida, psicoterapia e, em alguns casos, medicação prescrita por um profissional de saúde mental.
Segundo o psiquiatra Luiz Dieckman, as crises de ansiedade não são algo que começaram a acontecer apenas nas últimas décadas. “Ataques de pânico são citados em textos médicos desde o século XIX. O termo ‘pânico’ vem do deus Pan da mitologia greco-romana, uma figura que assustava viajantes em florestas escuras”, conta.
“A questão é que vida moderna não tem florestas sombrias, porém soma pequenos gatilhos o dia inteiro: sobrecarga de tarefas, estímulos digitais, falta de sono. O organismo interpreta esse estresse contínuo como perigo constante, elevando a frequência das crises”, explica.
Por isso, o tratamento também envolve reduzir esses gatilhos diários, cuidar da saúde do sono, diminuir o consumo de cafeína e buscar momentos de pausa.
A psicoterapia, especialmente a terapia cognitivo-comportamental, ajuda a identificar padrões de pensamento que alimentam a ansiedade e ensina formas práticas de enfrentamento. Em quadros mais intensos, o uso de medicamentos pode ser indicado pelo médico.