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‘Bebês Ozempic’: como os análogos do GLP-1 impactam a fertilidade?
Ao controlar o metabolismo e favorecer a perda de peso, os agonistas do GLP-1, como a semaglutida, podem facilitar a gravidez

Dra. Andreia Sapienza
5min • 7 de nov. de 2025

Se a mulher descobrir que está grávida enquanto utiliza Ozempic ou similares, a recomendação é interromper o tratamento imediatamente | Foto: Freepik
Inicialmente criados para o tratamento de diabetes tipo 2, os remédios análogos do GLP-1, como o Ozempic, também se tornaram populares para a perda de peso. Eles funcionam imitando a ação de um hormônio produzido no intestino, responsável por controlar a glicose no sangue e aumentar a sensação de saciedade.
Mas, nos últimos anos, com o crescimento acelerado do uso dos medicamentos, começaram a surgir relatos curiosos sobre outros possíveis efeitos: mulheres que antes enfrentavam dificuldades para engravidar acabaram gestando após o início do tratamento. Nas redes sociais, o fenômeno ganhou um apelido que rapidamente viralizou — os chamados “bebês Ozempic”.
Mas, afinal, existe relação entre os agonistas de GLP-1 e a fertilidade? Para esclarecer as principais dúvidas (e trazer orientações), conversamos com a ginecologista e obstetra Andreia Sapienza.
O que são os agonistas do GLP-1 e como eles funcionam?
O GLP-1 (glucagon-like peptide-1) é um hormônio produzido pelo intestino logo após as refeições. Ele ajuda a controlar os níveis de glicose no sangue ao estimular a liberação de insulina, reduzir a secreção de glucagon e retardar o esvaziamento gástrico. Também aumenta a sensação de saciedade, favorecendo a redução natural da ingestão de calorias.
Como o GLP-1 é rapidamente degradado pelo organismo, surgiram os agonistas do GLP-1 (GLP-1 RAs), medicamentos que imitam sua ação, mas permanecem ativos por mais tempo, trazendo efeitos prolongados no controle metabólico e no auxílio ao emagrecimento.
Um dos mais conhecidos é a semaglutida (Ozempic). Além do efeito metabólico, ela atravessa a barreira hematoencefálica e age em áreas do cérebro relacionadas ao craving (compulsão por comida), reduzindo o apetite e o comportamento compulsivo.
Como resultado, a pessoa tende a comer menos, perder peso e melhorar condições associadas, como resistência à insulina e síndrome metabólica — fatores que impactam diretamente a saúde reprodutiva e a fertilidade feminina.
Como a obesidade e o metabolismo influenciam a fertilidade feminina?
A obesidade é um dos principais fatores que afetam a fertilidade. O excesso de gordura corporal contribui para o desequilíbrio hormonal, pois o tecido adiposo também produz hormônios. Isso pode levar a ciclos irregulares, ausência de ovulação e dificuldade para engravidar.
Outro ponto é a resistência à insulina, comum em mulheres com sobrepeso/obesidade. Quando o corpo não responde bem à insulina, ele produz mais hormônio, o que aumenta a produção de androgênios (hormônios masculinos). Esse desequilíbrio atrapalha o amadurecimento e a liberação do óvulo.
Exemplo frequente é a síndrome dos ovários policísticos (SOP), que afeta cerca de 6% a 10% das mulheres em idade reprodutiva: ciclos irregulares, anovulação e impacto na fertilidade.
Nesse cenário, os análogos de GLP-1 podem auxiliar ao:
- Reduzir o peso corporal;
- Melhorar a sensibilidade à insulina;
- Reequilibrar os hormônios sexuais;
- Favorecer o retorno da ovulação.
Segundo Andreia, mulheres com SOP que emagrecem (especialmente com obesidade) muitas vezes restabelecem o equilíbrio hormonal apenas com a perda de peso, voltando a menstruar regularmente após meses de amenorreia. Por isso, a perda de peso é parte fundamental do tratamento, e o uso de GLP-1 pode ser uma abordagem útil — sempre com orientação profissional.
Os agonistas do GLP-1 podem interferir no anticoncepcional?
Até o momento, não há evidências robustas de redução da eficácia da pílula anticoncepcional em usuárias de agonistas do GLP-1.
No entanto, esses fármacos alteram a motilidade gastrointestinal e podem retardar a absorção de medicamentos orais, inclusive contraceptivos. Na prática, as pílulas costumam ter dose suficiente para manter a eficácia, mesmo com absorção mais lenta.
Ainda assim, recomenda-se considerar métodos que não dependam da via oral (DIU, implantes, adesivos, anéis, injetáveis) durante o uso de GLP-1, sobretudo em quem não deseja engravidar.
Existe risco para o bebê ao engravidar durante o uso de GLP-1?
Faltam dados de segurança na gestação; portanto, não se recomenda o uso de agonistas do GLP-1 durante a gravidez.
Se a mulher descobrir que está grávida enquanto usa Ozempic ou similares, deve interromper imediatamente e procurar orientação médica. O mesmo cuidado vale para a lactação, pois não se sabe se o medicamento é excretado no leite materno.
Em gestação planejada, recomenda-se suspender com antecedência:
- Versões diárias: alguns dias podem bastar;
- Versões semanais (ex.: semaglutida): cerca de duas semanas para eliminação;
- Ainda assim, prefere-se suspender 1 a 2 meses antes de tentar engravidar.
Engravidei tomando Ozempic. E agora?
Interrompa o uso imediatamente e procure seu médico. Não há estudos controlados em gestantes, e os efeitos sobre o desenvolvimento fetal são incertos.
Para gestantes com diabetes tipo 2, uma alternativa é a metformina, medicamento amplamente estudado e considerado seguro na gestação. Ela não promove perda de peso, mas auxilia no controle da resistência insulínica.
Veja também: Wegovy e Ozempic: como funcionam para perda de peso
Perguntas frequentes
Tomar Ozempic pode atrapalhar quem já está tentando engravidar?
De forma direta, não. Porém, o medicamento não deve ser usado na gravidez pela falta de dados de segurança. Se estiver em fase ativa de tentativas, suspenda o uso 1–2 meses antes de buscar a concepção.
Os agonistas do GLP-1 são indicados como tratamento para infertilidade?
Não. Eles não são indutores de fertilidade. Foram desenvolvidos para diabetes tipo 2 e aprovados para obesidade. O benefício na fertilidade é indireto: melhora metabólica, menor resistência insulínica e perda de peso tendem a favorecer a ovulação.
Existe diferença entre o efeito do Ozempic e de outros agonistas do GLP-1 na fertilidade?
Os efeitos de classe são semelhantes (controle glicêmico, menor apetite, perda de peso). A semaglutida (Ozempic/Wegovy) costuma ser mais potente para emagrecimento do que a liraglutida, o que pode trazer impacto indireto maior na ovulação devido à maior redução ponderal.
Quero engravidar, mas tenho diabetes tipo 2. O que fazer?
Converse com seu ginecologista/endócrino. Em geral, substitui-se GLP-1 por fármacos com segurança estabelecida na gestação, como metformina ou, em alguns casos, insulina, antes de tentar engravidar.
Resistência à insulina sem SOP também afeta a fertilidade?
Sim. Mesmo sem SOP, a hiperinsulinemia pode elevar andrógenos ovarianos e prejudicar a ovulação. O manejo do peso, da resistência insulínica e do estilo de vida ajuda a restabelecer ciclos ovulatórios.
Leia também: Ozempic na gravidez: por que não é seguro usar

